terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Quinta Parte.


Ainda parada em frente ao roupeiro, voltara a fitá-lo para decidir o que vestir. Apesar de cedo, tinha acordado bem-disposta e apetecia-lhe caminhar. Destino: o já sabido, Baixa Pombalina. Decidiu-se por um Jeans simples e até um pouco gastos e por um daqueles Tops que comprava mais porque sim do que propriamente por gostar deles, meia curta e sapatinho prático da Quechua. A mochila vermelha que a acompanhava há anos e que levaria dentro o Livro em Branco, uma caneta, o Livro do Desassossego – que finalmente se decidira a “vasculhar” e a máquina fotográfica. Pegara, ainda antes de descer as escadas, no telemóvel e fizera a chamada matinal habitual: desde sempre que, antes de sair de casa, fosse para onde fosse e a que horas fosse, ligava à Mãe para saber como fora a sua noite de sono e como estavam as coisas por casa. Quando não a apanhava, como tinha sido o caso dessa manhã, deixava-lhe uma mensagem à qual sabia que esta responderia logo que possível. Estavam, assim, sempre em contacto. Descera as escadas, comera apressadamente uma das Pêras trazidas do Monte dos Avós, colocara outra distraidamente no bolso do casaco que entretanto resolvera vestir, dada a hora matutina a que sairia de casa e, deixando um bilhetinho escrito a Alexandra para que esta não se preocupasse ao acordar, saiu de mansinho.



Continua...

Quarta Parte.

Costas coladas ao banco. Pânico a percorrer-lhe o corpo. Tal não fora a força com que colocara o pé naquilo que sabia agora ser o acelerador (embraiagem, travão, acelerador), que o baque havia sido ensurdecedor. Vinham já Mãe e Avó esbaforidas. A Avó tentando libertar-se da manta que ainda se lhe agarrava ao corpo, a Mãe mostrando
às mãos o caminho para a cabeça e abrindo mais os olhos à medida que se aproximava dos estragos produzidos. Costas ainda coladas ao banco. Suor frio. Suor quente. Olhos fixos na Oliveira. Mãos fixas no volante. Recordava-se vagamente da Mãe ter-lhe gritado inúmeras vezes que lhe abrisse a porta. Algures durante a viagem imaginária a nenhures, trancara o carro. A Avó batia insistentemente no vidro a seu lado, pedindo-lhe que lhe desse algum sinal de se encontrar bem. Depois daquilo que lhe parecera uma eternidade mas que poderiam ter sido apenas escassos minutos, destrancara a porta do carro. A Mãe gritava qualquer coisa como “Onde é que estavas com a cabeça?” e “Quem é que vai pagar os estragos?”, a Avó incitava-a a sair do carro para poder examiná-la da cabeça aos pés. Levaram-na de braçado para dentro de casa e a Avó preparara-lhe um chá. Passara os dias seguintes ao incidente em silêncio e, desde então, nunca mais voltara a falar à Mãe em tirar a carta. Mais tarde, quando o fizera finalmente, tinha-se safado à primeira sem qualquer tipo de problema.
Continua...